Tuesday, January 16, 2007

Em busca da inocência perdida (1)

Michel Frizot e Cédric de Veigy chamaram-lhe “Photo trouvée”, num livrinho editado em 2006 pela Phaidon (*). São fotografias “encontradas” em álbuns de família, instantâneos de férias, de aniversários, de festas mais ou menos íntimas. Entre milhares, muitos milhares de fotos, “encontram-se” autênticos tesouros que desafiam as regras das fotos formalmente bem educadas e tantas vezes chatas e previsíveis dos profissionais da imagem. São fotografias “tiradas” sem “rigor formal”, sem preocupações de manter a linha do horizonte “no seu lugar”, com intromissões inesperadas de sombras do fotógrafo acidental, com pessoas cortadas dos modos mais improváveis, decapitadas, decepadas, os corpos estraçalhados por enquadramentos “descuidados”. São fotos muitas vezes desprezadas e esquecidas pelos seus autores, relegadas para caixotes perdidos no fundo dos baús de memórias. São, no seu radical distanciamento do “mainstream” fotográfico, provas vivas de que entre os males maiores da “boa fotografia” e, por maioria de razão, da horripilante “fotografia artística” praticada pelos chamados “amadores avançados”, estão as regras obedientemente repetidas desde há um século e meio. O que estas fotos têm de extraordinário não é a sua inocência; elas são extraordinárias e surpreendentes porque nos levam a concluir que uma imagem forte, formalmente inovadora, esteticamente interessante, está muitas vezes mais ligada aos fotógrafos de ocasião, interessados apenas no registo simples e despreocupado de uma cena de família, do que nas abordagens “cultas” e “avisadas” dos profissionais e dos amadores estudiosos. A grande fotografia é aquela que consegue incorporar na sua prática regular estas ousadias acidentais, estas imprevidências da forma. É por isso que um fotógrafo como o genial August Sander, por exemplo, está muito mais próximo das informais fotos de família do que dos tremendos formalismos de muitos “artistas” da imagem.
(*) Photo trouvée, de Michel Frizot & Cédric de Veigy, Phaidon, 2006, 319 páginas






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