Monday, February 05, 2007

A “inclinação” de Bill Gates
e as virtudes da concorrência global

Há uma fotografia famosa da equipa comandada por Bill Gates ligada aos primeiros anos da Microsoft, datada, salvo erro, de 1978. A imagem provocou, muitos anos depois, um também famoso comentário, que dizia mais ou menos o seguinte: “Você confiava o seu dinheiro a estas pessoas?”. Olhando para aquelas criaturas, a vontade, de facto, era de não confiar… Quem assim pensava, como toda a gente sabe, enganou-se redondamente. A gigantesca operação de marketing para lançamento do novo sistema operativo da Microsoft que substituirá o Windows XP - o Vista -, foi o mais recente sinal do poder planetário do senhor William Henry Gates, um homem que, com apenas 51 anos, saltou da obscuridade informática de uma pequena empresa de barbudos, para o primeiríssimo lugar do ranking dos empresários mais ricos do mundo. É inútil tentar contabilizar a fortuna de Bill Gates: já terá ultrapassado os 50 mil milhões de dólares, um valor que corresponde, segundo especialistas na matéria, a “trinta fortunas” do engenheiro Belmiro de Azevedo e a pouco menos de um terço do valor do Produto Interno Bruto Português, que andará pelos 150 mil milhões de euros. Uma brutalidade, portanto.
O exemplo de Bill Gates tem sido usado como um trunfo inatacável pelos adeptos das virtudes da globalização e da livre iniciativa capitalista radical. O virtuosismo do empresário norte-americano nascido em Seattle é tão apreciado, que um seu colega de negócios, Warren Buffet, tido como “o segundo homem mais rico do mundo”, doou grande parte da sua imensa fortuna pessoal à fundação de Bill Gates e da sua mulher Melinda. Quer dizer: o patrão da Microsoft não se limita a ganhar rios de dinheiro, desígnio que, por si só, chega e sobra a muito boa gente para o alcandorar à condição de herói. Bill Gates foi mais longe na ilustração das virtudes neoliberais: homem de coração grande, Gates disponibilizou milhares de milhões de dólares para a sua filantrópica fundação, apostada em apoiar causas nobilíssimas de ajuda aos mais pobres, de combate a doenças e epidemias ou de promoção do ensino junto de populações carenciadas. Com mais 30 ou 40 anos de vida pela frente, Bill Gates deu a entender que o lançamento do Windows Vista seria a sua última intervenção de grande fôlego na Microsoft, passando, agora, a dedicar-se a tempo i
nteiro à sua milionária fundação e às causas humanitárias.
Vejamos agora o fenómeno por outra perspectiva (e sem entrar nas miudezas de contestar o domínio quase monopolista da Microsoft no negócio dos sistemas operativos, que tantas dúvidas suscita mesmo junto das liberalíssimas autoridades norte-americanas). Teria Bill Gates chegado onde chegou se o negócio fosse sujeito a constrangimentos legais ou fiscais mais pesados que o impedissem, a partir de certa altura, de acumular poder e capital? Os defensores radicais da concorrência a todo o custo e sem barreiras, dirão que não. O sonho de poder, de influência e de acumulação de riqueza não pode ter limites. É isso que move gente como Bill Gates, Belmiro de Azevedo e outros lídimos representantes do empresariado mundial. Trata-se de um retrato muito pouco abonatório e com uma debilidade monstruosa: se Bill Gates, em vez da sua “inclinação” filantrópica e humanitária, resolvesse comprar uma dúzia de ilhas carregadas de luxos asiáticos para passar lá a vidinha com a família e os amigos, que poderiam dizer os teóricos da livre concorrência e do enriquecimento ilimitado? Nada, a não ser avançar com uma hipotética condenação “moral”. Gates é filantropo porque lhe apetece. Se fosse outro o apetite do patrão da Microsoft, se ao senhor Bill Gates desse na gana de fazer o que fazem milhares de proprietários de fortunas indecentes, um terço do PIB português ia pelo cano.